“Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento”, de Paulo Emílio Sales Gomes. Editora Paz e Terra. 1996.
Essa resenha fiz no primeiro ano da que estudei na faculdade de cinema, em 1997. Falo sobre um capítulo do livro, que é um clássico: “1ª Época do Cinema Brasileiro – De 1896 A 1912”.
O cinema aportou no Brasil em 1896. As sessões dos ‘filmes’ eram feitas na Rua do Ouvidor (no Centro do RJ) e o projetor chamava-se omniographo. Os jornais da época comentaram o acontecimento como uma grande novidade. O aparelho deve ter funcionado por umas duas ou três semanas.
Durante o início de 1897 surgiram aparelhos de diversos nomes e o mais famoso era chamado de cinematographo. Artistas ambulantes, com algum conhecimento mecânico, manipulavam as máquinas. Vários curtas eram apresentados nos programas de teatro de variedades e nos cafés-concertos.
O italiano Paschoal Segreto, era um dos principais donos da 1ª sala de exibição que ficava na Rua do Ouvidor, nº 141 e foi aberta em 31 de julho de 1897. Chamava-se "Salão de Novidades" e depois "Salão Paris no Rio". Paschoal tinha mais três irmãos: Gaetano, Afonso e Luiz, estes dois últimos trabalhavam para ele. O estabelecimento oferecia grande variedade de atrações visuais e mecânicas, porém as ‘vistas animadas’ eram a principal atração. Os ‘curtas’ precisavam ser renovados e Paschoal sempre mandava seus emissários atrás de novidades, em Paris ou Nova York, a fim de obter também aparelhos mais modernos.
Em 1898, no dia 19 de junho, enquanto Afonso retornava de uma dessas viagens, filmou a Baía de Guanabara a bordo do paquete francês chamado ‘Brésil’, segundo alguns críticos e teóricos, nascia então o cinema brasileiro. Daí por diante Afonso registrou várias outras imagens do RJ. Não se sabe quando ou se essas imagens foram apresentadas ao público. Os jornais datados em julho e na primeira semana de agosto de 1898 anunciavam com freqüência a apresentação de ‘vistas’ cariocas na Rua do Ouvidor, porém nenhuma dessas exibições se realizaria até 8 de agosto, dia em que o ‘salão’ foi totalmente destruído por um incêndio, reabrindo em janeiro de 1899. Durante esse período em que o ‘salão’ ficou fechado, as vistas de Afonso podem ter sido exibidas em Campos, no Estado do Rio, onde Paschoal montava uma sucursal de sua ‘empresa’.
Até pelo menos 1903, os Segreto foram os únicos exibidores e produtores dos poucos filmes nacionais de atualidades. Em 1900, Afonso viaja a negócios para os EUA e Europa não mais voltando ao Brasil. As tarefas de filmar e revelar ficaram por conta de outros colaboradores de Paschoal Segreto, cujos nomes a pesquisa não descobriu.
Os primeiros 10 anos de cinema no Brasil são escassos. As poucas salas fixas de exibição estavam fixadas no Rio e em São Paulo. Devido ao atraso do país em relação à eletricidade, o cinema entre 1896 e 1906 se desenvolvia lentamente. Em 1907, a utilização da energia produzida pela Usina do Ribeirão das Lages revigorou o cinema no Rio. Em poucos meses 20 salas de exibição foram inauguradas. Com isso a produção de curtas aumentou, surgindo assim novos empresários no ramo cinematográfico, que se dedicavam à importação, exibição e produção de filmes como os italianos José Labanca e Jácomo Rosario Staffa, os franceses Marc Ferrez e filhos, o alemão Cristóvão Guilherme Auler e o espanhol Francisco Serrador.
Entre 1908 e 1911 o bom relacionamento entre o comércio de exibição e a fabricação de filmes proporcionou uma vitalidade no cinema nacional. Em 1908 surge a primeira fita de ficção feita no Brasil, segundo alguns pesquisadores ela se chamava ‘Os Estranguladores’. Vicente de Paula Araújo descobriu uma comédia, filmada por Júlio Ferrez, projetada em junho de 1908, chamada ‘Nhô Anastácio chegou de viagem’, com 15 minutos de duração.
Segundo um cronista da época era a primeira vez que se fazia uma fita como essa. Vinte dias após ter sido lançado ‘Nhô Anastácio’ já estava pronto um filme com mais de meia hora: ‘Os Estranguladores’, de Antônio Leal. Segundo a imprensa, Antônio Leal foi o melhor cinegrafista de sua época, considerado por muitos como o fundador e criador do cinema brasileiro. Em 1908, ele associa-se a José Labanca e forma a firma ‘Photo Cinematographia Brasileira’, se especializa em filmes de ficção e lidera a produção no país.
O filme ‘Os Estranguladores’ foi baseado em fato verídico ocorrido no RJ, em 1906. A fita foi exibida mais de 800 vezes. Devido ao sucesso, os produtores resolveram mostrar outros crimes espetaculares da época nas telas cariocas, como: ‘Noivado de sangue’ e ‘Um drama na Tijuca’. Marc e Júlio Ferrez, e Alberto Botelho filmaram episódios idênticos aos retratados por Leal.
Apesar de tudo, outros gêneros, além do policial, surgiram no Brasil em 1908 como o melodrama ‘A Cabana do Pai Tomás’, os carnavalescos ‘O Cordão’ e a comédia ‘Zé Bolas’. A maior parte desses sucessos foram realizados por Antônio Leal e José Labanca. Porém os filmes cantantes de Guilherme Auler e os de Francisco Serrador conquistaram o público.
Essas películas eram projetadas e atrás da tela os artistas cantavam ao vivo. Contudo, após algum tempo, várias versões do mesmo filme eram apresentadas ao mesmo tempo, disputando assim a preferência do público. O que aconteceu de mais interessante no gênero falado e cantado foram os filmes-revistas de atualidades políticas. O que obteve maior êxito foi ‘Paz e Amor’, filmado por Alberto Botelho e produzido por Auler, que foi exibido por mais de mil vezes.
No início de 1911 os ‘cineastas’ ainda lançavam seus filmes, encerrando suas produções em junho do mesmo ano. Em 1912, apenas um filme de enredo é realizado no RJ e acaba nem sendo exibido, por se tratar de uma história baseada em fatos reais ocorridos na Marinha, que tratou logo de censurá-lo. Surge uma crise no cinema nacional. Argumentistas, roteiristas e diretores voltam às suas origens jornalísticas e teatrais.
Paschoal Segreto se dedica ao teatro, Labanca abandona a profissão e Serrador se dedica ao comércio de filmes estrangeiros. Quem continua na produção de filmes nacionais encontra dificuldades na exibição. Leal, os irmãos Botelho e alguns poucos técnicos e cinegrafistas não desistem, assegurando assim um mínimo de continuidade entre a época que se encerra em 1912 até a segunda que começa nesse mesmo ano e termina em 1923.
Confira a página do livro no Skoob:
www.skoob.com.br/cinema-trajetoria-no-subdesenvolvimento
*Daniela Calcia é formada em cinema e jornalismo, pesquisadora do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro, confira seu perfil no Linkedin:
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